Os Cs da Bélgica – Por APBT

7 02 2010

A Bélgica é famosa por dois excelentes Cs, o Chocolate e a Cerveja. Conheci os Cs em 2008 quando estava passeando por lá, após terminar a graduação.

O chocolate belga é delicioso, hummmm! Mas por que é considerado o melhor do mundo, se o cacau é cultivado em regiões equatoriais? 1- Rigorosas regulamentações sobre a composição do chocolate são aplicadas no país desde 1884. Para ser considerado chocolate, ou seja, para receber essa denominação, o produto deve conter no mínimo 35% de cacau puro. 2- Esse chocolate pode ser fragmentado em pedaços menores que 15-18μ (pra ter uma idéia mais geológica, esse tamanho pode ser comparado a um grão de silte fino de 8-15μ ou quando em tamanhos menores a granulação argila), granulação imperceptível pelas papilas gustativas da língua (por isso que a argila não pega quando colocamos na boca). 3- Para a fabricação do chocolate são escolhidos grãos de cacau de alta qualidade provenientes da Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Camarões, Indonésia, Equador e Brasil, a marca Côte d’Or ajuda a manter os padrões de qualidade elevados pois não poupa recursos para importar bons grãos.

A especialidade belga é o praliné, inventado em 1912 por Jean Neuhaus, que teve a idéia de fazer um recheio de chocolate com pedaços de avelã todo envolvido por uma capa/copinho de chocolate, um gostoso bombom.

E a cerveja? Diz a lenda que a cerveja era produzida durante a idade média em alguns monastérios, se assim foi, é por isso que desde 1515 os belgas já frequentavam os bares (Dlissinghe, Brugge) e tiveram muito tempo para degustar e aperfeiçoar a técnica.

Existem mais de 1500 tipos de cerveja belga, dentre as mais conhecidas estão: a Stella Artois, Alken Maes, Jupiler, Delirium tremens, Duvel, Kwak, La Binchoise, Leffe e Hoegaarden. 

Tudo isso é pra dizer que além desses dois imbatíveis Cs, outros Cs mais geológicos me impressionaram bastante: os Carbonatos de Construção, as Cavernas de Dinant e as minas de Carvão de Liège.

Reparei que algumas casas antigas eram revestidas por uma pedra repleta de conchas, os carbonatos de construção. Num dos primeiros dias que estava na Antuérpia, fui encontrar minha irmã num prédio na Prins Leopoldstraat, aí pra minha surpresa vi ostracodes, foraminíferos e até espinha de peixe nas antigas paredes cinza esbranquiçadas.

Assim não só as casas como várias esculturas também foram feitas a partir de monoblocos de rocha carbonática semelhante.

Vou confessar que não sei ao certo a origem/proveniência e idade dessas rochas, desconfio que sejam do Devoniano da Europa, período entre 416 e 359 milhões de anos (atrás), formadas em ambiente marinho. Os calcários, na maioria das vezes, são formados pelo acúmulo de organismos inferiores ou precipitação de carbonato de cálcio na forma de bicarbonatos, principalmente em meio marinho. Também podem ser encontrados em rios, lagos e no subsolo (cavernas).

Ilustração esquemática da formação de cavernas e espeleotemas.

E por falar em caverna, o outro C corresponde as cavernas formadas em rochas carbonáticas. Caverna é toda cavidade natural rochosa com dimensões que permitam acesso a seres humanos. O processo mais frequente de formação de cavernas é a dissolução da rocha pela água da chuva ou de rios (pocesso chamado carstificação), que ocorre em um tipo de paisagem chamado carste/sistema cárstico. As regiões cársticas podem ser caracterizadas por vegetação cerrada, relevo acidentado e alta permeabilidade do solo (escoamento rápido da água). O processo de carstificação ou dissolução química é resultado da combinação da água da chuva ou de rios superficiais com o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera ou de raízes. O resultado é uma solução de ácido carbônico (H2CO3), que corrói e dissolve os minerais das rochas. A solução ácida escoa preferencialmente pelos planos de falha, fraturas e estratificações/acamamento. As intersecções entre esses planos se alargam aos poucos e tornam-se grandes galerias. Os minerais são lixiviados e os elementos são arrastados pelos rios subterrâneos ou para outras camadas, onde poderão se sedimentar novamente.

Dinant é localizada no vale do rio Meuse e também é famosa por ser a cidade natal de Adolphe Sax, o inventor do saxofone. A paisagem é digna de um cartão postal, o forte foi construído em cima das rochas no século XI e a Igreja foi reconstruída em estilo gótico, após um acidente (queda de blocos) em 1227.

Depois de tirar umas fotos com a estátua do Adolphe Sax e ver a foliação das rochas, fui fazer uma visita turística a carverna “LA MERVEILLEUSE” e o mais inusitado foi encontrar andando pela caverna, uma mulher muçulmana de vestia véu e salto alto.

Os espeleotemas eram bonitos mas prefiro muito mais os do PETAR. Espeleotema é o nome genérico de todas as formações rochosas que ocorrem tipicamente no interior de cavernas como resultado da sedimentação e recristalização de minerais (principalmente calcita e dolomita).

Ilustração esquemática da formação de carvão

E o derradeiro C é o do Carvão. O carvão é um combustível fóssil composto por átomos de carbono, oxigênio, nitrogênio, enxofre, associados a outras rochas (arenito, siltito, folhelhos e diamictitos) e minerais (pirita), formado pela decomposição da matéria orgânica (restos de árvores e plantas) durante milhões de anos, sob determinadas condições de temperatura e pressão. O Carbonífero é o período da era Paleoóica, do éon Fanerozóico, que compreende aproximadamente o intervalo entre 359 milhões e 299 milhões de anos atrás. O período tem este nome devido as grandes quantidades de carvão encontradas em formações rochosas da época na Inglaterra. A gênese de carvão está associada a ocorrência de grandes florestas e pântanos que cobriam a maior parte das terras imersas nesse período. Durante a revolução industrial, a região da Valônia (parte sul da Bélgica) seguiu os passos do Reino Unido e capitalizou extensos depósitos de carvão e ferro, o que trouxe prosperidade a região. O carvão aflora em maior parte da região e a natureza dobrada das rochas possibilitou ocorrências superficiais abundantes de carvão, não sendo necessário minerar em profundidade no ínicio da exploração. As concessões seguiam um sistema complexo e em alguns casos multiplas camadas pertenciam a donos diferentes. Depois iniciaram a exploração em minas profundas, sendo que em 1866 algumas minas alcançaram 700-900 metros de profundidade, uma chegou a 1065m provavelmente a mais profunda da Europa na época.

Num dia nublado resolvi procurar uma mina de carvão, próxima a Liége, encontrei uma mina desativada aberta à visitação.

Quando cheguei na mina de Blelgny, me deparei com um homem que tinha cara de desenho animado, ele era bem simpático, mas nesse dia a comunicação estava bem difícil pois não entendo nada de francês, então fiquei um tanto acanhada e não puxei assunto. Alguns minutos depois fui descobrir que ele era português e o nome dele era Antonio, igual do meu pai. Aí conversamos muito e quando disse que pra chegar lá peguei trem, ônibus, caminhei e tal…acho que ele se comoveu e até me deu o lanche dele, tipo paizão mesmo.

A história dele é bonita, ele trabalhou na mina desde os 17 anos e sabia tudo sobre o carvão, agora os filhos deles são todos casados e parece que ele tem uma vida confortável financeiramente, só não sei quanto à saúde porque esse trabalho é insalubre e de alto risco, percebi que ele tossia bastante. Na época de exploração, as explosões e o gás liberado eram um problema sério e a Bélgica possuía a maior taxa de mortalidade em minas de carvão. Ele contou que nos primórdios da mineração de carvão, as crianças também trabalhavam porque por serem pequenas, podiam entrar em frestas e buracos menores para recolher os pedaços de carvão que tinham se soltado das paredes após as explosões realizadas na mina. 

Achei engraçado o causo de que quando alguma família saía pra trabalhar e deixava seu bebê em casa, as mães colocavam uma pinguinha no bico da mamadeira pra criança dormir igual um anjinho…No final da visita ganhei um pedação brilhante de carvão! Obrigada Antonio!

Quem diria que um dos países baixos e pequeno em área, além de fascinante gastronomicamente, seria interessante geologicamente…oops era pra escrever sobre os Cs e não sobre os Gs. Algum dia a Talita também escreve sobre o D dos Diamantes.